EXPOSIÇÃO
Um salão enorme, paredes brancas e frias. Só vemos um feixe de arames finos abrindo-se do centro do teto alto em direção ao chão, formando uma espécie de gaiola – provável, sutil, porque ninguém olha para cima. Uma penumbra ocupa a área superior da sala imensa já tomada pela gaiola de grades muito finas e afastadas umas das outras envolvendo-nos e a porta se fecha. Escutamos a respiração angustiante. Vem daquela área central do teto, mas caixas ocultas emitem-na de diversos pontos do chão da sala junto com a dúvida sobre se há mesmo uma mistura da sôfrega movimentação de um pulmão gigante com gemidos - mas pode ser apenas o chiado leve amplificado de brônquios, ou não, um choro. Passamos algum tempo imersos na gaiola frágil, grades magras, essas dúvidas ritmadas. Já respiramos com a sala mas o chão escurece e no alto surge devagar um brilho na parte inferior e aparente do corpo da aranha que ocupa todo o centro do teto. Elevado sobre nossas cabeças, o ventre da aranha, um corpo fino de onde nascem aquelas pernas finas e onde um pulmão certamente delgado se embute. Vemos sua barriga com algumas peles despregando e o batimento da respiração da aranha ofegante, sem ar, com pouco, bem pouco ar indo e vindo. Uma luz pálida acompanha o movimento na pele e desprende-se junto com fragmentos sem espessura dessa pele da barriga. A sala está bem escura e agora apaga-se por completo. Silêncio. Alguns segundos demorados de silêncio. Súbito a luz volta inerte a ocupar o ambiente. A aranha com suas pernas de arame está morta. A porta da sala se abre. Percebemos que abrir a porta não decorre do dispositivo que há pouco respirava, nem as alterações na iluminação da sala são parte dele. Um funcionário uniformizado faz tudo isso. Abre a porta. Não é então uma gaiola. Estávamos apenas assistindo uma aranha inventada morrer depois de perder o fôlego, ainda tentar por um tempo respirar, mas não conseguir.
CUTTER
O que fazer com a ponta da palavra cutting,
diz-me.
Esquecê-la tatuando no fim
auto
lesão subitamente suspensa?
Diz-me
que alivia.
E que
corta e que
sangra e
marca.
Lígia Dabul
Arte e fotografia de Lígia Dabul
Lígia Dabul nasceu e vive no Rio de Janeiro. Publicou os livros de poesia Som (Rio de Janeiro, Editora Bem-Te-Vi, 2005), Luces/Luzes (La Plata, Editora Universidad Nacional de La Plata, 2008), Nave (São Paulo, Lumme Editor, 2010), Garça Torta/Crooked Heron (Londres, Carnaval Press, 2017) e as plaquetes Algo do Gênero (São Paulo, Arqueria Editorial, 2010) e Sambaqui (São Paulo, Lumme Editor, 2021). É professora colaboradora das Pós-Graduações em Sociologia e em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas em antropologia e sociologia da arte.